Page 2 - Giz Negro: Edição de julho 2021
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julho 2021
Editorial
Recordações do Gerês
Há algumas décadas, tive o raro privilégio de passar férias de verão no Gerês, durante
quatro anos.
A primeira vez que lá estive tinha 5 anos. Era muito pequena e estava habituada a brin-
car no jardim de casa que achava enorme. Era um espaço onde vivia imensas aventuras imagi-
nárias, entre os canteiros de flores e os arbustos que criavam separadores excecionais para
se jogar às escondidas.
Quando cheguei ao Gerês e vi os imensos espaços verdes, que se abriam diante dos
meus olhos, senti-me assoberbada. Nunca tinha imaginado uma paisagem tão grandiosa. A
infância tem destas coisas. Víamos as paisagens suíças aprisionadas dentro de folhas dos ca-
lendários e ficávamos com a sensação de que o mundo cabia numa folha. Num lugar qualquer
da Serra do Gerês, girando sobre as pontas dos pés, o espetáculo natural estendia-se a perder
de vista. Era deslumbrante!
Foi nesse momento que o jardim de minha casa se tornou minúsculo e a minha neces-
sidade de verde cresceu. As experiências vividas nesses anos foram inacreditáveis! Tive uma
víbora a 10 cm dos meus pés, andei pela Fenda da Calcedónia (atualmente um trilho com uma
vertente histórica, pois junto a este afloramento rochoso, abrigava-se um povoado fortificado
da Idade do Ferro), tomei banhos em riachos cristalinos e cantantes, visitei S. Bento da Porta
Aberta.
Todos os dias, me levantava entusiasmada, ansiosa por descobrir novas sensações e
desvendar novos mistérios. Era uma felicidade renovada acordar com um sol encorajador que
me despertava bem cedo. Todavia, eu era a única criança no grupo que incluía os meus pais.
Não posso deixar de homenagear um grande amigo do meu pai, o líder de todos os que parti-
cipavam nestas excursões exploratórias, que nos desvendou muitos dos segredos da Serra
do Gerês e sempre se preocupou em planear esses passeios adequando-os à criança que eu
era. Aliás, foi o seu sábio conselho que me imobilizou, enquanto a tal víbora avançava indo-
lentemente pela penedia em que eu me encontrava a posar para uma fotografia. Afinal, nem
mesmo o mais prudente poderia adivinhar a hora do passeio estival daquele ser rastejante…
Estas recordações ganharam um novo significado no segundo confinamento. O Ho-
mem precisa de se conectar novamente à Natureza. É urgente fazê-lo para criar um mundo di-
verso daquele em que vivemos até ao momento. Para termos um futuro, precisamos de criar
laços afetivos com a Natureza no seu estado bruto e todos os seus habitantes. Precisamos
ainda de inventar um discurso ecológico, longe da demagogia fácil e infrutífera, que preserve
todos os tesouros que o nosso planeta tem para oferecer.
São memórias preciosas as que guardo dessa época. E maio de 1971 trouxe-nos a to-
dos a criação do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Podemos usufruir da sua beleza paisagís-
tica, mas devemos cuidar, diligentemente, da sua fauna e flora. Embora não sejamos uma mo-
narquia, este parque é, sem dúvida alguma, uma joia da nossa coroa.
Maria da Luz Melo
GIZ NEGRO / Jornal Escolar 2